domingo, 28 de fevereiro de 2010


Por detrás de meus olhos
 



Uma leve neblina toma conta da pequena Itabuna. As ruas vazias do centro da cidade têm seu silencio quebrado pela doce voz de Ninna, e o violão de Adriano. A musica ecoa pelos prédios da avenida do cinqüentenário enquanto o grupo de jovens se diverte bebendo e cantando. Angello, um jovem de 22 anos, alto, de cabelos caracolados loiros, chega trazendo com ele um litro de vodka, que é dividido com o grupo. Ele senta-se junto a uma das arvores da praça, mantendo-se afastado dos demais. Rodrigo junta-se a ele perguntando o que estava acontecendo.
- Mano. Ta triste? Pergunta Rodrigo.
- Não mais que o habitual. Responde ele de cabeça baixa. Angello tem um ar misterioso, sempre com seus olhos tristes, e nunca sorrir. Mas nesta noite ele estava um tanto diferente. Talvez pela neblina que agora parecia mais densa, ou pela leve garoa que caia. Seus olhos demonstravam um pesara quase funéreo. Ele leva o copo contendo vodka à boca e sorve seu conteúdo em pequenos goles, como se saboreando o liquido forte. A lua hoje não apareceu. Talvez seja por isso a minha tristeza.
- Fica nessa não cara! Vamos para lá onde esta o grupo. Fala Rodrigo.
- É... Vamos. Angello levanta-se e segue com Rodrigo em direção do grupo.
 Luana abraça Angello e senta-se ao seu lado. Adriano começa então a tocar Stop crying your heart out da banda Oasis. Angello começa então a cantar, e sua voz é tão pura, que chega a se assemelhar ao som de um violino. Ele canta como um anjo. Seus olhos tristes se iluminam com uma luz fria como a madrugada que passa por eles.
As horas avançam rápido, e alguns se despedem e se vão. Danilo segue em direção de seu bairro sozinho. Ed já havia partido assim como Angello, ficando apenas Ninna, Adriano, Luana, e Rodrigo na praça.
Danilo segue silenciosamente por entre as ruas em meio à neblina. Os postes elétricos com suas luzes amarelas iluminam a estrada por onde o jovem caminha. Porem ao cruzar uma rua pouco movimentada, ele escuta novamente o cantar de pneus. Mas desta vez, o carro era real. E ele acaba sendo atingido por uma Pick-up F 250 prateada que estava fazendo racha com um Audi A3. Porem na hora do impacto, um volto escurecido como a noite trajando asas negras como a ônix, aparece na frente do jovem salvando a sua vida de uma morte por atropelamento. Ninguém foi capaz de ver o volto. Mas ainda assim Danilo sofre uma pancada forte na cabeça e desmaia. É levado ao Hospital Calixto Midlej Filho pelos ocupantes do carro que o atingiu. Lá, ele foi colocado no Centro de Tratamento Intensivo, ficando em coma induzido.   
Os familiares e amigos do jovem chegam ao hospital no dia seguinte. A sua mãe se desespera. O estado do rapaz é grave, e ele corre sérios riscos de morte. Ela se mantém ao lado de seu filho. Em prantos copiosos ela ora a Deus que salve a vida de seu garotinho. Em um canto do quarto onde eles se encontram um ser invisível observa tudo com uma lagrima a cair de seus olhos sombrios. Esse é o mesmo ser que salvou a vida dele e que, como hoje, chorou no nascimento dele. Porem ele chora de culpa, pois não deveria ter salvado sua vida. Deveria deixar que o curso normal do destino fosse cumprido. Aquela era a hora em que o jovem iria partir. Mas o ser triste não pode deixar que ele se fosse.
De repente, outro ser invade o quarto. Esse encara o primeiro com um ar serio.
- Não deveria ter agido assim. Fala para o primeiro. Sabe que era à hora dele?
- Sei... Mas não pude deixar que ele fosse ceifado desta forma.
- Idiota! Tu e seu sentimentalismo. Seres como nós não devem sentir. Não fomos feitos para ter pena. Fomos criados para observar-los. Apena. Não devemos nos meter em seus caminhos.
- Não me culpe por sentir, Seraph. Tu sabes melhor que eu, que essa é a minha natureza.
- Não, Ehles’tar. Como eu, tu também caiu. Não é mais de sua natureza o amor pelos humanos.
- Sim. Eu sei que cai...
- Se arrepende? Pergunta Seraph. Um ser de estatura mediana, cabelos pretos ondulados ate metade das costas, e pele tão branca quanto o mármore. Seus olhos são plácidos de uma luz azulada como a lua que brilha branca no céu durante o inverno. Ele deve partir hoje, são as ordens. Eu mesmo o levarei... Sua missão acaba aqui.
- Eu te rogo. Não o leve. Olhe como a mãe dele esta, isso me parte o coração. Não apieda a ti?
Um longo silencio cai sobre o recinto, e é quebrado pelo choro da mãe do Danilo. Seraph se dirige para perto do leito onde se encontra o jovem desacordado.  Ele fita os olhos de Ehles’tar que agora toma para si uma luz profunda de um tom acinzentado. A mãe do garoto ora ininterruptamente sem se dar conta do que acontece ao seu redor em um plano paralelo ao seu. Suas lagrimas molham o lençol azul que cobre o corpo inerte de seu jovem filho. Seraph olha isso com uma frieza quase palpável.
- Sua brincadeira está indo longe demais Ehles’tar. Eu não poderei te salvar se isso fugir do controle. Sabe que não deveria se misturar aos humanos e interferir em seus caminhos. Seraph toca a cabeça de Danilo com um de seus dedos. Mas que seja atendido o pedido de uma mãe desesperada. Mas não torne a desobedecer a ordem do destino. Seraph desaparece. Danilo agora estava a salvo de uma morte prematura.
- A vida dos humanos é curta demais comparada a nossa. Mas o que poderiam fazer se vivessem o suficiente para entendem o quão grande é a plenitude de estar vivo...?
Os dias passam e Danilo sai do Centro de Tratamento Intensivo sendo transferido para um quarto. Sua mãe esteve ao lado dele todo o tempo agradecendo a Deus por ter poupado a vida de seu filho, não sabendo ela que Deus não teria mudado o destino dele. Sua fé e a piedade que ainda habita o coração de Ehles’tar comoveram o frio coração de Seraph que o teria levado. Ehles’tar mantém-se ao lado de seu protegido todo o tempo, sempre velando seu sono.
E assim, os dias continuam passando por eles como grãos de areia em uma ampulheta. Mais uma noite vem e se vai morta por um sol avermelhado como a terra de um campo de guerra, levando consigo os fantasmas de uma alvorada, deixando para trás de si as petas desfolhadas da lua.     

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