quinta-feira, 11 de março de 2010


[...]continuação
- Me proteger...
- Esse é o meu dever, Danilo. Proteger-te, eu estava lá quando você nasceu, estive do seu lado enquanto você crescia, te ou via quando você conversava comigo em suas orações,  estive do seu lado quando sofreu o acidente, estive do seu lado por toda a sua vida...  Não deveria ter salvado a sua vida, era o seu destino e eu sabia disso... Mas envolvi demais em sua vida e não consegui deixar que você partisse. Ehles’tar deixou uma lagrima cair de seus olhos cinza, a lagrima caiu no chão e uma flor nasceu dela. Era uma flor azul arroxeado, uma Flor-de-lis, símbolo de realeza e pureza. Ehles’tar colhe uma das flores e a observa por um longo momento como se aquela flor tivesse dentro dela um universo. Então ele deixa-a cair de suas mãos finas com longos dedos, e olha fixamente nos olhos de Danilo. Essa é toda a verdade.
- Mas... Demônios... São maus, e você está chorando. Diz Danilo um tanto confuso.
Ehles’tar rir suavemente e estende a Mao para Danilo que se afasta com medo, mas logo depois se sentindo mais seguro, segura-a. como um pássaro que alça vôo Ehles’tar se lança no abismo abaixo de seus pés, subindo logo em seguida com suas asas abertas como um albatroz. Ele leva Danilo por entre as nuvens como um adulto guia uma criança pelas mãos, chegando a um lugar alto, como um cume de montanha, onde de lá se podia ver todo o mundo. Eles pousam tranquilamente.
- Escute. Fala Ehles’tar calmamente para Danilo. Quando o Criador resolveu criar tudo que você conhece, ele cansou-se com isso, derramando seu suor ao dar formas às coisas que hoje existe. Primeiro ele criou a Luz e a escuridão. E do seu primeiro suor nasceu Lúcifer, O que Carrega a Luz. Lúcifer era belo e altivo com seus cabelos prateados mesclado de negro, sua pele alva como o nascer de um dia. Sua voz era belíssima como e toar de clarins, seus olhos emanavam uma luz tão pura, que tudo que dela era banhada parecia se vestir de luz também. Depois de criar a luz e separar-la das sombras, o Criador criou o firmamento, o céu, colocando nele todos os astros e brilhos noturnos, uma Chama para iluminar o dia, e uma lanterna para guiar a noite. Desta criação Ele também se cansou, e de seu segundo suor nasceu Miguel, O Facho de Fogo Que Ilumina o Dia. Este era tão belo quanto o primeiro, porém mais agitado que o primeiro, ele era forte e majestoso, tão belo como o sol, seus cabelos curtos e caracolados eram dourados como o trigo, e sua pele morena como o cedro. Sua voz era tão pura que se assemelhava aos trinar de rouxinóis, e seus olhos emanavam uma luz clara de uma manha de verão. Depois de criado o céu, o Criador fez as terras, as plantas que cobriam a terra e as águas, e de seu cansaço surgiu Gabriel, O Senhor das Terras Fecundadas, onde tudo que é vivo nasce, cresce e morre.  Gabriel era delicado com uma beleza quase feminina como uma flor de lótus. Seus cabelos castanho, longos recaiam sobre seus ombros como uma cascata, seus olhos também castanhos de um tom avermelhado como a noz de avelã, emanava uma paz tão profunda, que todos que dela se banhava eram reconfortados de suas dores e adormeciam ao som de sua voz. Após criar todo o resto e antes de descansar, o Criador fez os seres humanos, para poder habitar o seu jardim, pois era um lindo jardim toda a criação, e ele pós os homens para viver nesse jardim, privando-os apenas de uma coisa, uma pequena coisa que talvez, fosse grandiosa demais para vocês. O conhecimento do Bem e do Mau. E isso aborreceu o primogênito do Criador, Lúcifer, pois ele achava injusto poupar os humanos do conhecimento. Assim, Lúcifer fez com que a serpente ludibriasse os homens a conhecer da fruta do conhecimento, mostrando a eles que eles poderiam se igualar ao próprio Criador dessa forma. E eles provaram do conhecimento, e deixaram de ser ingênuos e puros, pois dessa forma conheceram também o pecado. O Criador ficou muito aborrecido e triste com os homens, pois o desobedeceram, e ele chorou pela primeira vez, criando assim os Serafins, ou as Áspides Ardentes Voadoras, que tudo o que tocam queimam intensamente. Os Serafins são as lagrimas do Criador que, por amor aos homens, chorou ao ter que expulsá-los da criação. E foi esse amor que me criou e nos fez proteger vocês das serpentes que rastejam a noite.
Terminando de falar, Ehles’tar com um movimento suave de suas mãos faz todo o cenário ao seu redor desaparecer, e eles estavam de volta ao penhasco da Prainha novamente.
Danilo olha em volta reconhecendo o lugar senta-se numa pedra e olha nos olhos de Ehles’tar.
- Mas se você é um Serafim, porque me disse que era um demônio?
- Como eu te disse. A nomenclatura está um pouco errônea em seu vocabulário. Seres como eu, que um dia tiveram Graça e hoje vivemos entre vocês humanos, somos a voz interior, quem vos aconselha. Somos nós quem guiamos vocês pelos caminhos tortuosos de fora da criação. Mas a palavra foi modificada com o passar dos tempos e hoje somos tidos como seres maléficos. Más, isso não importa muito para nós. Vivemos ao redor de vocês, e ajudamos nas suas decisões, confortamos quando sofrem e salvamos quando é necessário. Mas no seu caso eu agi com a emoção, e não com a razão... Por isso, me é proibido ver o céu...
- Mas porque vocês foram banidos do paraíso?
- Quando os homens erraram pecando contra o Criador, Ele pensou em destruir tudo, o jardim e todas as coisas criadas, inclusive os homens. Mas nós, os Serafins, e os Arcanjos, o suplicamos para que não fizesse tal coisa, pois não foi culpa deles o erro. Então ele resolveu dar uma chance aos homens. Ele nos pediu para observar-los e protegê-los, pois como Pai, se preocupava com suas crianças. E foi o que nos fizemos. Até que os homens conheceram a violência, as armas, a degeneração, a prostituição, e se tornaram uma praga no mundo. O Criador decidiu destruir tudo novamente. E novamente nós intervimos em favor dos homens, pois nem todos eram maus e corrompidos, havia alguns de coração bom, que orava ao Criador, que cuidava de sua prole, e de seu rebanho. Então o criador voltou atrás mais uma vez. Mas a grande maioria dos humanos eram pragas, câncer de um sistema quase perfeito criado por Ele. Os arcanjos começaram a reclamar ao Criador para que limpasse a terra desta praga. Entre os arcanjos, Lúcifer era contra essa decisão e ficou do nosso lado para proteger os humanos. O criador então decidiu destruir tudo, mas dessa vez ele não voltaria atrás. Nós os Serafins suplicamos, imploramos, mas Ele não estava declinado a mudar de opinião, e nos disse que se quiséssemos ficar do lado dos humanos, que nos juntássemos a eles na destruição e abandonassem o Éden. Lúcifer nos apoiou e disse que ficaria do nosso lado houvesse o que fosse, e procurou por alguém que merecesse sobreviver à destruição. Encontrou um senhor chamado Noé e o alertou da catástrofe que se abateria sobre a raça humana e a criação. Esse por sua vez construiu uma barca onde pudesse caber ele sua família e mais um casal de cada animal, e quando a mão do Criador caiu sobre nós e os humanos, ele flutuou e sobreviveu. E assim salvou a raça humana. Lúcifer foi trancado para pagar por sua traição, e nos fomos proibidos de voltar ao Éden, assim como vocês. Essa é a minha historia meu caro. Esse sou eu, um Demônio, um renegado das Graças divinas, um ser triste que se amargura por ter escolhido ficar do lado do que ele amava, e teve que pagar um preço muito alto para tanto... Mas se eu não tivesse amor, eu nada seria. Dito isso Ehles’tar desaparece no ar como se nunca estivesse ali.
Danilo fica se perguntando se ele realmente havia visto tudo aquilo, o sol inicia sua subida lenta e dolorosa no céu rasgado por nuvens ralas. A lua a muito já havia se escondido por detrás do horizonte negro. Um novo dia começava, e Danilo tinha que voltar para seus amigos.

segunda-feira, 8 de março de 2010


Me é proibido ver o céu

O tempo passa rapidamente e logo se aproxima o fim de mais um ano. O grupo se prepara para passar o réveillon em uma cidade litorânea, e Itacaré foi o lugar escolhido por todos para festejar o fim de ano.
Benjamim e Natalia já haviam ido para a cidade, pois os pais de Natalia possuíam uma casa no local, Adriano, Rodrigo, Ninna, Edward, Danilo e Angello partiram no dia 31 do mês de dezembro.
Chegaram já de tardezinha, e dirigiram-se imediatamente para a praia mais próxima.
A praia de Rezende, emoldurada por coqueiros e pedras, estava de uma beleza impar com suas águas azul-celeste. Eles se alojaram em uma das pedras e ficaram a contemplar o mar com suas ondas ruidosas ao bater nas pedras. Não demora muito e uma lua cheia inicia sua ascensão lenta e furtiva por entre as nuvens avermelhadas pelo resto de sol que se punha. O cenário era arrematado por alguns quiosques que ascendiam suas luzes para clarear as brancas areias da praia da Tiririca à direita de onde estavam os jovens.
O casal, Benjamim e Natalia se enamoravam mais e mais com o por do sol, Adriano comemorava o nascer da lua tocando o seu violão suavemente como se não quisesse acordar a amarelada dama fria que se erguia das águas de um mar já quase todo azul-cobalto.
Angello contemplava a nova noite que nascia como se fosse a primeira vez. Contemplava com os olhos embebidos em lagrimas de exaltação a beleza quase única deste momento. Danilo senta-se ao seu lado e admira como ele parece alegrar-se com isso. Ele nunca havia manifestado nenhum sentimento antes. E agora estava emocionado com aquela visão. Havia em seus olhos tristes, um esplendor mágico, quase divino, ao contemplar a lua que nascia.
- Lindo não é? Fala Danilo com os olhos fixos no horizonte.
- Sim... Faz muito tempo que não vejo nada tão perfeito assim. Fala Angello com sua voz melodiosa sem desligar os olhos da lua que agora brilha por inteiro de um amarelo dourado.
- Realmente. Eu também nunca havia visto algo assim.
Os dois se calam como se quisessem ouvir o sussurrar da lua por as nuvens. Adriano com seu violão toca Melodia Sentimental de Heitor Villa Lobos. Ninna Canta as sentidas estrofes com um profundo prazer. Sua voz parece mais viva e pura.
Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem
E correm o espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor
Acorda, vem olhar a lua
Que brilha na noite escura
Querida, és linda e meiga
Sentir seu amor é sonhar.”
A voz de Ninna parecia inspirar a noite. Com sua musica até mesmo as estrelas pareciam ter mais viva, a melodia de sua voz acalmava o mar, e fazia as ondas dormirem. Tudo parecia mais calmo agora.
As horas avançam e eles se preparam para a passagem de ano. Natalia estava linda em um vestido branco de crepe com detalhes em prata e costas nuas. A Ninna não ficava para trás, em uma bata creme com decote ate quase o umbigo, e uma calça larga de algodão cru. Rodrigo estava com uma calça branca no estilo pescador ate metade da canela, e uma camiseta regata também branca. Adriano de bermuda larga azul clara e camisa branca com mangas longas.  Apenas Angello vestia preto, estava com uma calça um pouco justa preta e uma camisa preta com um desenho de um par de asas desenhado nas costas também pretas.
Todos se dirigiram para a praia da Ribeira onde haveria um show de Rock.
 Muitas pessoas já estavam no local quando eles chegaram. Alguns grupos se formavam no local. Outros se afastavam dos demais para fazer uso de entorpecentes. Bebida era servida a largos goles como em um bacanal, e como no mesmo, pessoas dançavam e cantavam em movimentos quase orgásticos. Os amigos estavam eufóricos, a bebida já havia feito efeito em suas mentes. Eles já estavam entregues aos prazeres do álcool, e dançavam como os demais.
No meio de todo esse êxtase, Danilo vê, de relance, os olhos que ele via em seus sonhos, aquele brilho azulado como de um metal prateado, passar por entre a multidão enlouquecida. Por um momento ele pensou em seguir aquele brilho, mas logo ele o perdeu no meio do tumulto. Procurou a sua volta, mas não o encontrou. Ele estava embriagado, já não podia controlar seus pensamentos.
Meia noite. Os fogos estouram, as pessoas se abraçam desejando boas vindas ao novo ano, alguns vão para as águas e se jogam, outros apenas observam os fogos. Angello sentado em uma pedra era um dos que apenas observavam os fogos.  Ninna vai ao seu encontro e o abraça.
- Rapaz! Hoje é festa, vamos curtir. Sai dessa fossa eterna em que você vive. Diz ela alegremente para ele.
- Mas eu estou feliz... Eu estou entre amigos, a noite esta linda... Eu realmente estou feliz. Fala ele.
- É! Me esqueci que você não sabe sorrir.
- Sorrir eu sei. Só não o seu externar. Eu olhar estava realmente mais plácido como se sorrisse.
- Vamos nos juntar ao resto da galera. Puxa ele pelo braço.
- Não. Me deixe aqui, preciso pensar um pouco.
- Tudo bem. Já que você prefere ficar ai... Fala Ninna, e se vai. Angello continua sentado observando o reflexo dos fogos nas ondas que lambem as areias da praia.
O show recomeça, e eles voltam a curtir a noite embalada por um metal pesado a banda tocava musicas da Sleepknot e todos estavam em seus “bate-cabeças” quando Danilo avista novamente o olhar no meio da multidão. Dessa vez ele o segue. O olhar de luz azulada o leva em direção a trila que fica atrás da pequena ribeira que da nome a praia. Ele se embrenha na faixa de mata atlântica seguindo o vulto de tênue luz azul e entra cada vez mais na floresta. O som vai ficando cada vez mais longe, cada vez mais distante ate que não da mais para ser ouvido. Danilo acaba por se perder na mata, mas não se da conta disso, apenas segue o vulto que farfalha por entre as arvores como o bater de asas de um pássaro noturno.
- Ei! Espere! Grita o jovem, mas a sombra semi luminosa não da ouvidos a ele e o leva cada vez mais dentro da mata. O som de águas de uma cachoeira é ouvido por entre a escuridão da mata que é apenas iluminada pela lua cheia, Danilo grita para que a sombra pare, mas não é ouvido, e ele continua a seguir. Ate que de repente, ele se vê em um lugar aberto com um precipício que se lança abruptamente ao mar, ele estava no lugar conhecido como “prainha” e La ele vê um ser sentado sobre uma pedra que se ergue na beira do penhasco. A criatura esta de costas para ele. Danilo se aproxima cautelosamente da criatura, a luz da lua banha o mar, as ondas resvalam nas pedras do penhasco em grandes estrondos como trovões. A criatura ale sentada parece contemplar a noite que brilha nas águas, as estrelas refletem nas vagas como diamantes, e o cheiro do salitre invade as narinas do jovem, que amedrontado se pergunta se é real ou mais uma de suas tristes visões o que está a ver.
- Quem é você?  Pergunta Danilo. A criatura de costas para ele nada responde, apenas observa os barcos de pesca que, com suas luzes, se assemelham a estrelas nadando no mar escuro banhado pela lua prateada.
Danilo aproxima-se mais, e pode notar formas na criatura. Era uma figura esguia com longos cabelos negros mesclado com mechas prateadas, de pele alva e cândida como o marfim, havia três pares de asas negras também mescladas de penas claras como prata que brilhavam ao toque da luz da lua. Estava vestido seu rosto fino era contrastada com um olhar triste, e seus olhos claros como a própria lua, emanava uma luz azul calma, seus lábios finos e lívidos, expressava o nada, nem tristeza nem alegria. Era Ehles’tar. Ele se vira suavemente para Danilo para não o assustar, e em seu pensamento fala com ele.
- Ouça como a noite canta, sinta-a falando contigo. A voz de Ehles’tar econa na cabeça de Danilo como em uma caverna profunda e escura, mesmo sem ele ter dito palavra alguma.
- Quem é você? Pergunta o jovem mais calmo. Você é real ou é mais uma de minhas visões?
- Sou tão real quanto a noite que te abraça. Fala ele com uma voz suave e melodiosa. Chamo-me Ehles’tar. Acho que tens algumas perguntas a me fazer. Ehles’tar se levanta e aproxima-se de Danilo, seus pés descalços parecem não tocar o chão quando caminha em direção ao jovem.
- O que você é? Pergunta Danilo. Ehles’tar abaixa a cabeça e se volta novamente ao penhasco. Você é um anjo, não é? Torna perguntar o jovem. Imagens desconexas rolam em sua cabeça, ele revê as cenas do acidente, da sombra o abraçando e protegendo ele da morte. Lembra-se de quando era criança, e brincava com um ser imaginário que sua mãe dizia ser o seu anjo da guarda. Lembra de seus sonhos, onde ele se via no alto de uma montanha e a esfinge o interrogava. Um turbilhão de memórias invade a mente do rapaz, que confuso observa aquela criatura a sua frente. Responda! Você é um anjo?
- Não mais... Um dia já fui chamado assim... Hoje, não mais. 
- Então, o que é você?
Ehles’tar senta-se novamente a pedra onde estava.
- Me chamam de muitas coisas hoje. Renegado, Rebelde, Caído... Demônio. Essas são as nomenclaturas para mim hoje.
- Demônio? Você é um demônio?
- Sim, eu sou. Responde Ehles’tar com um tom entristecido. Seus olhos se voltam para o jovem que agora o olha assustado e confuso.
- Mas... Como um demônio salvou a minha vida? Pergunta Danilo atônito. Era você lá, não era? Quem me salvou, que brincava comigo na infância. Era você nos meus sonhos que me salvava do monstro?
- Sim... Salvei a tua vida. E de alguma forma, você sonhou comigo.
“Esses olhos... Eu os conheço. Já os vi antes” pensava o jovem.
- Mas porque você salvou minha vida? Um demônio?
- A definição de demônio em seu vocabulário é, de certa forma, errada. Os demônios nada mais são, que criaturas que se rebelaram contra o Criador. E que preferiu viver com os seres humanos e proteger-los. Não seres maléficos que assombram e confundem os caminhos dos humanos. Somos criaturas tristes e sem Graça. Mas não maus... E quanto a te proteger... Talvez eu tenha me envolvido demais em sua vida, e não pude deixar que partisse dessa forma. Mesmo sabendo que era chegada a sua hora. [continua]

terça-feira, 2 de março de 2010


Quebra-se a Mascara

A noite estava quente, com um mormaço quase sobrenatural. Do alto do campanário da Catedral de São José, Ehles’tar observava a cidade dormir. Seus pensamentos voavam por ele como uma revoada de alvas garças ao entardecer. Sua idéia desconexa o levava para os sonhos de Danilo, onde ele sempre via cenas do acontecido no acidente, o volto negro que o envolvia e salvava a sua vida. Mas Ehles’tar relutava em invadir os sonhos de seu protegido. Danilo tinha sonhos turbulentos, onde sempre se via de frente à Esfinge que lhe interrogava prometendo-lhe devorar vivo, caso não respondesse. Danilo sempre acordava assustado, lembrando de partes do sonho, nunca ele todo.
Os dias se passam e em uma noite morna de verão, Danilo resolve sair à rua, e encontrar seus amigos. Ele segue pela Avenida do Cinqüentenário quando se depara com uma cena torturante, uma mulher aparentando ter por volta de 40 anos, vestida com algo que parecia ser uma camisola. Ela tinha sua face voltada para o chão, e seus pulsos parecia estarem cortados, pois sangrava muito a ponto de deixar um rastro de sangue por onde ela passava. Ele tenta ajudar-la, chama por ela, mas ela não o ouve. Ele então a segue para tentar descobrir o que estava acontecendo com ela. Ao dobrar uma esquina, ele a perde de vista. A mulher parecia ter-se diluído no ar como fumaça. Ele ainda busca por ela, sem sucesso. Ao voltar-se para continuar o seu caminho, ele da de cara com a mulher, que agora olha para ele com seus olhos fundos quase inexistentes, com a pele enrugada e pálida como cera.  Ele se assusta com a aparência do rosto da mesma. Era uma de dor e angustia transfigurando a face da pobre mulher que parecia tentar dizer algo, mas que não era compreendido pelos ouvidos do jovem.
- A senhora quer ajuda? Pergunta Danilo. Mas apenas alguns ruídos guturais eram pronunciados pela mulher que agonizava. A senhora quer que eu te leve a um hospital? A mulher estende os braços como se para mostrar e ele os profundos cortes em seus pulsos que jorram sangue incessantemente como em uma torneira frouxa formando uma poça de sangue e lama onde ela estava de pé. Ela da um passo em direção ao jovem que, instintivamente, recua amedrontado. Ao recuar, ele tropeça em algo que o faz olhar para trás. Mas quando volta a olhar em direção a mulher, esta havia desaparecido.   
 - O que está acontecendo aqui?! Pergunta o jovem atordoado com o que havia visto. Meu Deus! Será que enlouqueci com a pancada e estou vendo coisas?
Luana estava na outra extremidade da esquina todo o tempo, e havia presenciado a alucinação de seu amigo. Ela vem em sua direção.
- Cara! Você esta bem? Pergunta ela com um ar de preocupada.
- É... Acho que sim. Responde Danilo ainda procurando a mulher com os seus olhos pequenos.
- Você andou fumando? Pergunta Luana.
- Não! Que historia é essa?
- Dan, tu tava falando sozinho no meio da rua. O que pensaria se visse alguém fazendo isso?
- Você não a viu? Pergunta ele incrédulo.
- Vi quem? Só vi você ai falando sozinho.
- Cara! Tinha uma mulher aqui com os pulsos cortados. Olha o sangue no chão. Mas não havia sangue nenhum no chão.
- Velho. Eu ainda acho que você fumou algo. Ela fala rindo, tentando descontrair a situação.
Eles seguem para a Praça Camacã onde estava o resto do grupo. Danilo sempre olhando para trás tentando ver ou localizar a tal mulher. Mas ela não voltou a aparecer. Ele leva um tempo meio atordoado, pensativo, preso em seus pensamentos a cismar se era real ou fruto de sua imaginação aquela visão Dantesca.
No meio da noite Edward passa próximo de onde estavam reunidos. Ben reconhecendo-o de longe grita para que ele venha até eles, e ele vai.
- Mano! Qual é?! Tu sumiu! Fala Ben para o rapaz que parecia abatido. O que aconteceu?
Ed senta-se, toma um longo gole de vodka servida por Natalia. Respira profundamente, como se retirasse um fardo pesadíssimo de suas costas, olha demoradamente nos olhos de Danilo, e uma lagrima rola de seus olhos. Todos em silencio observam essa cena como se estivessem assistindo a um filme. Ele abaixa a cabeça.
- Desculpa... Fala Edward quase que em prantos. Desculpe-me por quase ter te matado... Não foi minha intenção, eu não havia te visto lá... A neblina, a garoa, o álcool... Me desculpe. Edward chora comovido. Danilo o observa embasbacado com a situação. Edward havia o atropelado, e quase arrancado a sua vida. Todos ficam perplexos com a revelação. Edward chorava como criança enquanto buscava se desculpar com o Danilo.
- Cara... Relaxe. Fala Danilo com imparcialidade. Mas por dentro, ele estava confuso agitado como se uma tempestade caísse sobre um mar tranqüilo. Pelo menos você me prestou socorro, não me deixou morrer lá.
Edward o olha nos olhos e seca as lagrimas que rolavam em abundancia por sua face.
- Por isso eu desapareci. Tive medo que você tivesse morrido. Não tive coragem de te encarar... Depois do que eu fiz.
- Cara já passou. Eu estou bem, não estou? Isso é o que importa. Danilo coloca a Mao no ombro de Edward confortando-o. Vamos esquecer isso. Afinal, eu não me lembro de nada mesmo. Todos acabam rindo e o clima se descontrai.
- Que bom que você sabe lidar com isso Danilo. Fala Ben.
- Não que eu saiba, mas é que é melhor eu esquecer. As coisas já estão estranhas demais sem eu lembrar, imagina eu lembrando.
- Verdade. Hoje mesmo ele tava no meio da rua falando sozinho. Fala Luana com tom de risos.
- Cara! A mulher tava lá. Eu não to doido não!
- Ta bom Dan... Quando tu for comprar outra dessa que tu fumo, tu me chama. Todos riem.
- É vai rindo, mas doido eu não estou. Fala Danilo meio aborrecido.
- “Eu vejo gente morta, todo o tempo”. Brinca Adriano. Eles riem novamente.
- Ta ta! Vamos parar com isso. Fala Natalia. Vai que ele esteja realmente falando a verdade.
A noite corre. E logo, um novo dia começa a surgir destruindo as trevas da noite. E com a noite os jovens se vão.
Do alto do prédio do Modulo Center, Ehles’tar espera que a luz do sol calcine as sombras de seu coração. Ele não tinha mais vontade de estar com seus amigos humanos. Na verdade ele tinha muito medo de que Danilo recordasse dele na hora do acidente. Por muito tempo ele não apareceria aos humanos que tinha como amigos. Mas isso o incomodava de forma cruel. Era um espinho cravado na sola de seu pé. E um dia ele volta a aparecer como humano, em outra noite embriagada... Em outra noite sem luar.

segunda-feira, 1 de março de 2010


De volta à noite


Danilo estava de pé sobre uma montanha muito alta. E a sua volta as nuvens corriam como locomotivas de um trem desgovernado. Ele esta vestindo um largo manto vermelho encarnado, que lhe cobre as costas e cai sobre seus ombros nus. Sobre o seu pé direito há um filete de água, que desce pela montanha e forma um enorme lago de águas escuras que corre ate o horizonte. Na sua mão esquerda ele esta portando uma flecha, e na mão direita uma serpente.
Era, pois, um sonho tudo isso. E no sonho Danilo se vê de frente à Esfinge. Que com seus olhos de fome e ferro, interroga o jovem.
- Decifra-me ou te devoro. Fala a Esfinge. Que de ti é tão importante que não te querem do outro lado? Que de ti é tão divino que não te querem morto? Que de ti é tão humano, que não te levam a vida? Os olhos da Esfinge assumem um brilho frio de um azul ameaçador como metais. Danilo então crava a flecha que trazia à mão no peito da Esfinge que desaparece.  A serpente em sua mão direita toma então a forma quase humana. Ele conhecia a forma que a serpente havia se tornado. Mas essa forma não tinha rosto. Apenas aqueles olhos acinzentados que haviam te apertado contra o peito, salvando a sua vida.
 - Quem é você? Porque salvou a minha vida? Pergunta Danilo à criatura a sua frente. Este por sua vez apenas abaixa a cabeça e se desfaz no ar, e toma a forma de um passaro com asas de um prateado intenso, toma distancia chegando a quase tocar o céu, depois vem em direção a ele em uma velocidade estonteante, e o passaro já não é mais um passaro e sim um carro, uma pick-up F 250 prateada que vem em seu encontro como no dia de sua tragédia. Danilo vê aquilo vindo em sua direção, mas não pode correr, seus pés estão presos ao chão com enormes blocos de chumbo. Ele se desespera, tenta tirar os pés do lugar, mas o esforço é em vão, as fortes correntes que prendem os seus tornozelos não permitem que ele mova mais que um centímetro. E o carro continua vindo em seu encontro em uma velocidade assustadora. Ele tenta gritar, mas a voz não sai. Tenta correr, mas está preso. De repente uma sombra o envolve, confortando-o e abraçando-o ternamente, o carro se desfaz como fumaça de uma baforada de cigarro saída da boca vermelha de uma dama embriagada. Danilo se sente reconfortado nos braços da sombra que o envolve. Olhando para a sua face, ele reconhece novamente o brilho acinzentado. Um silencio sepulcral pesa sobre eles dois, apenas ouve-se o som de uma gota caindo no lago ao pé da montanha onde ele se encontra com um som profundo... Outra gota... E mais outra... Danilo desperta fitando com seus olhos pequenos as gotas que caem do soro que esta em seu braço. Ao seu lado esta a sua mãe, adormecida. O silencio do Hospital é pesado. Ele sente-se fraco com dores fortes na cabeça, e em seu braço quebrado.
- Mãe... Fala Danilo com uma voz sôfrega, e quase inaudível. Mas a sua mãe o ouve mesmo presa em seus sonhos profundos. Ela desperta, e em prantos de alegria, abraça seu filho. Agradecendo a Deus por devolver a sua consciência. Mas Danilo parece meio confuso. O que eu to fazendo aqui? Pergunta ele.
- Calma meu filho, você não pode fazer esforço, deite e descanse. Conforta o filho. Uma enfermeira é chamada para examinar o jovem que depois de duas semanas desacordado, recupera os sentidos.
Aparentemente Danilo não ficou com seqüela alguma do acidente, apenas não se lembrava do mesmo. “Talvez o próprio cérebro dele apagou a sena para evitar um trauma maior” diz o medico responsável pelo jovem.
Mais alguns dias, e Danilo sai do hospital e volta para sua casa. Seus amigos da noite vão fazer uma visita para saber como ele está.
- Mano! Que parada sinistra foi essa? Pensei que tu tinha morrido. Fala Rodrigo apertando a sua mão.
- He! Ainda não foi dessa vez que vocês se viram livre de mim. Brinca Danilo. Todos riem.  Luana havia trazido um bolo que ela mesma tinha feito.
- Ta meio solado, mas acho que da pra comer. Fala ela oferecendo um pedaço do bolo a Danilo.
- É. Ao carro eu sobrevivi. Será que sobrevivo ao bolo da Luana? Mais uma vez todos riem. O clima fica descontraído com as brincadeiras habituais. Tudo transcorre normalmente, ate Adriano perguntar sobre o acidente.
- Tu não se lembra de nada mesmo?
Os pequenos olhos de Danilo ficam como se sem cor. Sua pele branca assume o tom pálido, quase cadavérico. Os lábios lívidos tentam pronunciar algo, mas são interrompidos por Ninna.
- Pow velho! Tu tinha que falar disso!? O cara mal saiu do hospital. Da um tempo.
- OK! Desculpe. Fala Adriano.
Danilo respira fundo como se tentando se recompor de um pesadelo, da um leve sorriso e pergunta pelo resto da turma.
- Onde estão o Angello e o Ed? Porque não vieram?
- Cara! Responde o Rodrigo. Desde que você sofreu o acidente que nos não vimos os dois. Parece que viraram fumaça e sumiram no ar!
- Verdade. Completa Luana. Até já pensamos em colocar nos desaparecidos pra ver se os achamos. Eles riem da situação e tudo volta ao normal.
A tarde cai a noite se aproxima. Todos se vão.
O tempo passa devagar para Danilo. As noites se tornam vazias e tediosas. Dois meses se passam desde que ele saiu do hospital. Sua mãe reluta em deixá-lo sair a noite. Mas ele convence a pobre e preocupada mãe que já esta melhor. E ela permite que ele saia.
De volta à noite. De volta à velha praça. Tudo parece diferente e novo para ele, ate mesmo a luz esverdeada que ilumina a fonte, parece nova aos olhos de Danilo, pessoas passam por eles, mas só ele parece ser capaz de ver. São pessoas tristes cabisbaixas as vezes parecem chorar. E o que o impressiona, é que essas pessoas parecem não os ver. Ele acaba por deixar isso de lado, e volta a se divertir com seus amigos.
A noite se vai lentamente caminhando embriagada como uma prostituta louca. As nuvens lhe cobrem as vergonhas, mas ela teima em manter-se nua, exibindo suas lagrimas de brilhantes siderais, até ser possuída por um violento sol dourado como o ouro das minas de um insolente rei.