Demônios também choram.
“Ainda que eu falasse a língua dos homens,
E falasse a língua dos Anjos,
Se não tivesse amor, seria como o metal que soa
Ou o sino que retine.
E ainda que eu tivesse o dom de profecia,
E conhecesse todos os mistérios e todas as ciências,
E ainda que tivesse toda a fé, de maneira
Tal que transportasse os montes
E não tivesse amor,
Nada seria.
E ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado,
E não tivesse amor,
Nada disso me proveitaria,
E ainda assim
Eu nada seria...”
Corinto 1. 13,1 à 3.
Lagrimas do Céu
Chove muito sobre a velha Paris. Os ventos uivadores cortam o ar como laminas de pura prata, e fazem tremer os antigos vitrais da velha e suntuosa catedral de Notre-Dame. A praça Parvis esta deserta, assim como a pequena Île de La Cité. Apenas um único ser se faz visível entre os grossos fios de água que não param de cair.
Ele caminha por entre os arbustos calmamente como se a chuva, não o tocasse. Parece etéreo andando por sobre a grama molhada da praça. De repente um raio corta o noturno céu iluminando tudo com o clarão, tornando a noite um sombrio dia momentâneo. Olhando para a entrada da catedral ele se depara com mais uma figura.
De fronte ao Portal do Julgamento, como se fizesse parte dele, está a outra figura, e parece que observa o primeiro. Por um momento este parece que não da importância a repentina aparição do outro, mas subitamente vai ao seu encontro.
- Que fazes aqui? Pergunta o primeiro. Com uma voz tão pura quanto o cristal. Seu timbre lembra, levemente, o som de um violino.
- Terminaste o teu trabalho? Retruca o outro com voz igualmente bela. Porem este tem um tom mais grave, profundo, como um baixo.
Aparente mente, a chuva cessa, e os ventos que outrora cortavam o ar, se acalmam como para ouvir os dois conversarem com suas vozes magníficas.
- Sim... Ele partiu. Diz o primeiro com tristeza.
- Achei já tinhas se livrado desse sentimentalismo por eles. Diz o segundo virando-lhe as costas e andando em direção ao Portal da Virgem. Ele observa os belos desenhos feitos no século XIII, representando cenas da vida e morte de Maria, onde se vê figuras de reis e antigos patriarcas do antigo testamento, sobe o tímpano onde retrata a coroação da Virgem Maria. Vê, todos eles partiram, todos eles se foram. E o que Nós podemos fazer? Nada. Nós não podemos interferir-lhes a vida, nem o destino. Podemos apenas observar-los, e conduzir seus caminhos para que não se percam em suas jornadas.
- Sei bem. Mas... Apiedo-me ainda de suas partidas... Tantas coisas que eles poderiam ter feito...
- Ridículo esse pensamento vindo de ti. Outro raio cruza o céu parisiense. E como se por mágica o outro desaparece no clarão, deixando só o primeiro, que observa os alto-relevos do arco que emoldura a entrada esquerda da catedral.
A chuva volta a cair em largos fios grossos sobre os telhados de Paris, como se todo o céu noturno chorasse.
- Lagrimas do céu... Estar na amargura de viver, e ver que todos se vão menos tu. É ser amaldiçoado com a pior tortura. A de estar vivo. Sussurra, enquanto o vento gélido corta os ares de velha cidade.
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