segunda-feira, 1 de março de 2010


De volta à noite


Danilo estava de pé sobre uma montanha muito alta. E a sua volta as nuvens corriam como locomotivas de um trem desgovernado. Ele esta vestindo um largo manto vermelho encarnado, que lhe cobre as costas e cai sobre seus ombros nus. Sobre o seu pé direito há um filete de água, que desce pela montanha e forma um enorme lago de águas escuras que corre ate o horizonte. Na sua mão esquerda ele esta portando uma flecha, e na mão direita uma serpente.
Era, pois, um sonho tudo isso. E no sonho Danilo se vê de frente à Esfinge. Que com seus olhos de fome e ferro, interroga o jovem.
- Decifra-me ou te devoro. Fala a Esfinge. Que de ti é tão importante que não te querem do outro lado? Que de ti é tão divino que não te querem morto? Que de ti é tão humano, que não te levam a vida? Os olhos da Esfinge assumem um brilho frio de um azul ameaçador como metais. Danilo então crava a flecha que trazia à mão no peito da Esfinge que desaparece.  A serpente em sua mão direita toma então a forma quase humana. Ele conhecia a forma que a serpente havia se tornado. Mas essa forma não tinha rosto. Apenas aqueles olhos acinzentados que haviam te apertado contra o peito, salvando a sua vida.
 - Quem é você? Porque salvou a minha vida? Pergunta Danilo à criatura a sua frente. Este por sua vez apenas abaixa a cabeça e se desfaz no ar, e toma a forma de um passaro com asas de um prateado intenso, toma distancia chegando a quase tocar o céu, depois vem em direção a ele em uma velocidade estonteante, e o passaro já não é mais um passaro e sim um carro, uma pick-up F 250 prateada que vem em seu encontro como no dia de sua tragédia. Danilo vê aquilo vindo em sua direção, mas não pode correr, seus pés estão presos ao chão com enormes blocos de chumbo. Ele se desespera, tenta tirar os pés do lugar, mas o esforço é em vão, as fortes correntes que prendem os seus tornozelos não permitem que ele mova mais que um centímetro. E o carro continua vindo em seu encontro em uma velocidade assustadora. Ele tenta gritar, mas a voz não sai. Tenta correr, mas está preso. De repente uma sombra o envolve, confortando-o e abraçando-o ternamente, o carro se desfaz como fumaça de uma baforada de cigarro saída da boca vermelha de uma dama embriagada. Danilo se sente reconfortado nos braços da sombra que o envolve. Olhando para a sua face, ele reconhece novamente o brilho acinzentado. Um silencio sepulcral pesa sobre eles dois, apenas ouve-se o som de uma gota caindo no lago ao pé da montanha onde ele se encontra com um som profundo... Outra gota... E mais outra... Danilo desperta fitando com seus olhos pequenos as gotas que caem do soro que esta em seu braço. Ao seu lado esta a sua mãe, adormecida. O silencio do Hospital é pesado. Ele sente-se fraco com dores fortes na cabeça, e em seu braço quebrado.
- Mãe... Fala Danilo com uma voz sôfrega, e quase inaudível. Mas a sua mãe o ouve mesmo presa em seus sonhos profundos. Ela desperta, e em prantos de alegria, abraça seu filho. Agradecendo a Deus por devolver a sua consciência. Mas Danilo parece meio confuso. O que eu to fazendo aqui? Pergunta ele.
- Calma meu filho, você não pode fazer esforço, deite e descanse. Conforta o filho. Uma enfermeira é chamada para examinar o jovem que depois de duas semanas desacordado, recupera os sentidos.
Aparentemente Danilo não ficou com seqüela alguma do acidente, apenas não se lembrava do mesmo. “Talvez o próprio cérebro dele apagou a sena para evitar um trauma maior” diz o medico responsável pelo jovem.
Mais alguns dias, e Danilo sai do hospital e volta para sua casa. Seus amigos da noite vão fazer uma visita para saber como ele está.
- Mano! Que parada sinistra foi essa? Pensei que tu tinha morrido. Fala Rodrigo apertando a sua mão.
- He! Ainda não foi dessa vez que vocês se viram livre de mim. Brinca Danilo. Todos riem.  Luana havia trazido um bolo que ela mesma tinha feito.
- Ta meio solado, mas acho que da pra comer. Fala ela oferecendo um pedaço do bolo a Danilo.
- É. Ao carro eu sobrevivi. Será que sobrevivo ao bolo da Luana? Mais uma vez todos riem. O clima fica descontraído com as brincadeiras habituais. Tudo transcorre normalmente, ate Adriano perguntar sobre o acidente.
- Tu não se lembra de nada mesmo?
Os pequenos olhos de Danilo ficam como se sem cor. Sua pele branca assume o tom pálido, quase cadavérico. Os lábios lívidos tentam pronunciar algo, mas são interrompidos por Ninna.
- Pow velho! Tu tinha que falar disso!? O cara mal saiu do hospital. Da um tempo.
- OK! Desculpe. Fala Adriano.
Danilo respira fundo como se tentando se recompor de um pesadelo, da um leve sorriso e pergunta pelo resto da turma.
- Onde estão o Angello e o Ed? Porque não vieram?
- Cara! Responde o Rodrigo. Desde que você sofreu o acidente que nos não vimos os dois. Parece que viraram fumaça e sumiram no ar!
- Verdade. Completa Luana. Até já pensamos em colocar nos desaparecidos pra ver se os achamos. Eles riem da situação e tudo volta ao normal.
A tarde cai a noite se aproxima. Todos se vão.
O tempo passa devagar para Danilo. As noites se tornam vazias e tediosas. Dois meses se passam desde que ele saiu do hospital. Sua mãe reluta em deixá-lo sair a noite. Mas ele convence a pobre e preocupada mãe que já esta melhor. E ela permite que ele saia.
De volta à noite. De volta à velha praça. Tudo parece diferente e novo para ele, ate mesmo a luz esverdeada que ilumina a fonte, parece nova aos olhos de Danilo, pessoas passam por eles, mas só ele parece ser capaz de ver. São pessoas tristes cabisbaixas as vezes parecem chorar. E o que o impressiona, é que essas pessoas parecem não os ver. Ele acaba por deixar isso de lado, e volta a se divertir com seus amigos.
A noite se vai lentamente caminhando embriagada como uma prostituta louca. As nuvens lhe cobrem as vergonhas, mas ela teima em manter-se nua, exibindo suas lagrimas de brilhantes siderais, até ser possuída por um violento sol dourado como o ouro das minas de um insolente rei.

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