terça-feira, 2 de março de 2010


Quebra-se a Mascara

A noite estava quente, com um mormaço quase sobrenatural. Do alto do campanário da Catedral de São José, Ehles’tar observava a cidade dormir. Seus pensamentos voavam por ele como uma revoada de alvas garças ao entardecer. Sua idéia desconexa o levava para os sonhos de Danilo, onde ele sempre via cenas do acontecido no acidente, o volto negro que o envolvia e salvava a sua vida. Mas Ehles’tar relutava em invadir os sonhos de seu protegido. Danilo tinha sonhos turbulentos, onde sempre se via de frente à Esfinge que lhe interrogava prometendo-lhe devorar vivo, caso não respondesse. Danilo sempre acordava assustado, lembrando de partes do sonho, nunca ele todo.
Os dias se passam e em uma noite morna de verão, Danilo resolve sair à rua, e encontrar seus amigos. Ele segue pela Avenida do Cinqüentenário quando se depara com uma cena torturante, uma mulher aparentando ter por volta de 40 anos, vestida com algo que parecia ser uma camisola. Ela tinha sua face voltada para o chão, e seus pulsos parecia estarem cortados, pois sangrava muito a ponto de deixar um rastro de sangue por onde ela passava. Ele tenta ajudar-la, chama por ela, mas ela não o ouve. Ele então a segue para tentar descobrir o que estava acontecendo com ela. Ao dobrar uma esquina, ele a perde de vista. A mulher parecia ter-se diluído no ar como fumaça. Ele ainda busca por ela, sem sucesso. Ao voltar-se para continuar o seu caminho, ele da de cara com a mulher, que agora olha para ele com seus olhos fundos quase inexistentes, com a pele enrugada e pálida como cera.  Ele se assusta com a aparência do rosto da mesma. Era uma de dor e angustia transfigurando a face da pobre mulher que parecia tentar dizer algo, mas que não era compreendido pelos ouvidos do jovem.
- A senhora quer ajuda? Pergunta Danilo. Mas apenas alguns ruídos guturais eram pronunciados pela mulher que agonizava. A senhora quer que eu te leve a um hospital? A mulher estende os braços como se para mostrar e ele os profundos cortes em seus pulsos que jorram sangue incessantemente como em uma torneira frouxa formando uma poça de sangue e lama onde ela estava de pé. Ela da um passo em direção ao jovem que, instintivamente, recua amedrontado. Ao recuar, ele tropeça em algo que o faz olhar para trás. Mas quando volta a olhar em direção a mulher, esta havia desaparecido.   
 - O que está acontecendo aqui?! Pergunta o jovem atordoado com o que havia visto. Meu Deus! Será que enlouqueci com a pancada e estou vendo coisas?
Luana estava na outra extremidade da esquina todo o tempo, e havia presenciado a alucinação de seu amigo. Ela vem em sua direção.
- Cara! Você esta bem? Pergunta ela com um ar de preocupada.
- É... Acho que sim. Responde Danilo ainda procurando a mulher com os seus olhos pequenos.
- Você andou fumando? Pergunta Luana.
- Não! Que historia é essa?
- Dan, tu tava falando sozinho no meio da rua. O que pensaria se visse alguém fazendo isso?
- Você não a viu? Pergunta ele incrédulo.
- Vi quem? Só vi você ai falando sozinho.
- Cara! Tinha uma mulher aqui com os pulsos cortados. Olha o sangue no chão. Mas não havia sangue nenhum no chão.
- Velho. Eu ainda acho que você fumou algo. Ela fala rindo, tentando descontrair a situação.
Eles seguem para a Praça Camacã onde estava o resto do grupo. Danilo sempre olhando para trás tentando ver ou localizar a tal mulher. Mas ela não voltou a aparecer. Ele leva um tempo meio atordoado, pensativo, preso em seus pensamentos a cismar se era real ou fruto de sua imaginação aquela visão Dantesca.
No meio da noite Edward passa próximo de onde estavam reunidos. Ben reconhecendo-o de longe grita para que ele venha até eles, e ele vai.
- Mano! Qual é?! Tu sumiu! Fala Ben para o rapaz que parecia abatido. O que aconteceu?
Ed senta-se, toma um longo gole de vodka servida por Natalia. Respira profundamente, como se retirasse um fardo pesadíssimo de suas costas, olha demoradamente nos olhos de Danilo, e uma lagrima rola de seus olhos. Todos em silencio observam essa cena como se estivessem assistindo a um filme. Ele abaixa a cabeça.
- Desculpa... Fala Edward quase que em prantos. Desculpe-me por quase ter te matado... Não foi minha intenção, eu não havia te visto lá... A neblina, a garoa, o álcool... Me desculpe. Edward chora comovido. Danilo o observa embasbacado com a situação. Edward havia o atropelado, e quase arrancado a sua vida. Todos ficam perplexos com a revelação. Edward chorava como criança enquanto buscava se desculpar com o Danilo.
- Cara... Relaxe. Fala Danilo com imparcialidade. Mas por dentro, ele estava confuso agitado como se uma tempestade caísse sobre um mar tranqüilo. Pelo menos você me prestou socorro, não me deixou morrer lá.
Edward o olha nos olhos e seca as lagrimas que rolavam em abundancia por sua face.
- Por isso eu desapareci. Tive medo que você tivesse morrido. Não tive coragem de te encarar... Depois do que eu fiz.
- Cara já passou. Eu estou bem, não estou? Isso é o que importa. Danilo coloca a Mao no ombro de Edward confortando-o. Vamos esquecer isso. Afinal, eu não me lembro de nada mesmo. Todos acabam rindo e o clima se descontrai.
- Que bom que você sabe lidar com isso Danilo. Fala Ben.
- Não que eu saiba, mas é que é melhor eu esquecer. As coisas já estão estranhas demais sem eu lembrar, imagina eu lembrando.
- Verdade. Hoje mesmo ele tava no meio da rua falando sozinho. Fala Luana com tom de risos.
- Cara! A mulher tava lá. Eu não to doido não!
- Ta bom Dan... Quando tu for comprar outra dessa que tu fumo, tu me chama. Todos riem.
- É vai rindo, mas doido eu não estou. Fala Danilo meio aborrecido.
- “Eu vejo gente morta, todo o tempo”. Brinca Adriano. Eles riem novamente.
- Ta ta! Vamos parar com isso. Fala Natalia. Vai que ele esteja realmente falando a verdade.
A noite corre. E logo, um novo dia começa a surgir destruindo as trevas da noite. E com a noite os jovens se vão.
Do alto do prédio do Modulo Center, Ehles’tar espera que a luz do sol calcine as sombras de seu coração. Ele não tinha mais vontade de estar com seus amigos humanos. Na verdade ele tinha muito medo de que Danilo recordasse dele na hora do acidente. Por muito tempo ele não apareceria aos humanos que tinha como amigos. Mas isso o incomodava de forma cruel. Era um espinho cravado na sola de seu pé. E um dia ele volta a aparecer como humano, em outra noite embriagada... Em outra noite sem luar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário